A crónica de MBarreto Condado. Peripécias de uma viagem desde o reino do fantástico ao reino dos Algarves!
Crónicas do Fantástico - Ha moce marafade! (Faro e Guia)
"Na passada sexta-feira de manhã esperava eu calmamente na estação dos caminhos de ferro em Entrecampos pelo Alfa Pendular que me levaria até à cidade de Faro, significava que somente após catorze meses desde a publicação do meu primeiro livro de literatura fantástica avançava para o sul com o intuito de conquistar corações em terras de temperaturas inóspitas e de gentes corajosas.
Foi uma viagem como sempre muito agradável, ar condicionado, serviço a bordo tudo o que necessitava antes de enfrentar o calor seco a sul.
“Próxima paragem Faro”
Acordava com a voz calorosa a dar-me as boas-vindas a uma cidade que conheço tão bem. Contudo, quando o comboio parou e a porta se abriu fui recebida por um bafo que instantaneamente me fez lembrar Dante e o seu “vestíbulo do inferno”, também eu me encontrava como aquelas pobres almas, indecisa, porém ficar dentro da carruagem com o ar condicionado naquele momento deixara de ser uma opção.
“Atão moce, na t’espachas?”
A voz impaciente do senhor atrás de mim que queria ir à sua vida vez com que me virasse para o encarar. Será que não conseguia perceber o meu dilema naquele momento?
“Está muito calor, estou a tentar ganhar coragem” – sorri-lhe
“Meceia tén calor? Iste né nada miga”
“Óme, pra quê tamanh’ademora”
Lá fora esperava-o uma mulher a olhar-nos curiosa, afastei-me para que o senhor passasse sempre ganhava uns preciosos segundos.
O senhor ainda se virou para se despedir de mim.
“Adés moce, pr’ond’é que vás?”
“Vou para a ilha”
“A caminéte é já além” – apontou na direção da minha já tão conhecida paragem da Eva, onde deixei e fui buscar muitos amigos que durante anos passaram férias comigo na casa da ilha.
A maneira como aquele homem falara relembrou-me do diversificado léxico algarvio.
“Obrigada!”- sorri e ganhei a coragem que me faltava para sair daquele pedaço de paraíso onde viajara nas últimas horas. Sentia o sol queimar-me.
Caminhei até à doca sempre pelas sombras onde tantas vezes atracámos os nossos barcos todos eles com nomes inesquecíveis, tais como “Hupylas”, “Kesselyxe” e o último e mais potente “Kesselyxethudo”. Tinha muitas boas lembranças de toda a minha infância e adolescência e continuava a criar novas memórias sempre que o tempo me permitia usufruir da casa da ilha.
Por respeito para quem tem seguido a minha recente carreira literária resolvi mostrar um pouco desta minha viagem para promoção dos meus livros, desta feita num período de pouco mais de vinte e quatro horas que me levaria até Faro e posteriormente à Guia. Tirara a primeira selfie no comboio enquanto usufruía de um chá de camomila e lia a última crónica de António Lobo Antunes na revista Visão, também ela num regresso às suas origens, com lembranças da sua infância onde entre tantas memórias me ficou a de que costumava dividir o quarto com o seu irmão João.
A minha segunda foto já mostrava um pouco mais de mim e de como me começava a sentir debaixo daquele calor abrasador, não corria uma única aragem. Mostrava-me através das redes sociais em todo o meu esplendor, despenteada, sequiosa, encalorada e esfomeada ou como se diz cá e baixo: “o mé cabele tava cá d’um jête, sentia-me descabide com us olhes desbugalhades, estava cum muta fome tava na hora da bucha já só queria quemer, e naquele momente até podiam ser alcagoitas, minduins, pitaxios, sarvejas geladinhas ou até mesme auga. Sentia-me marafade”. Infelizmente não podemos ser todas a Sara Sampaio (para grande infelicidade minha).
Mas o que me levava ali eras as apresentações dos meus MAIS sempre num misto de emoções, de perguntas. Ansiedade? Já nem tanto. Mas algumas questões ainda se colocavam, iriam aparecer pessoas com disposição para me ouvir? Teria a felicidade de conseguir falar do meu trabalho e arranjar mais fieis leitores/as? Sim, porque a realidade com que me deparo neste último ano é que somente através do permanente contacto com as pessoas é possível ir mais além e cá por mim adoro trocar ideias, de falar sobre estes mundos fantásticos que tanto me fascinam, de fazer a minha parte, trazer cada vez mais pessoas para este mundo que não é só meu mas de todos os que vivem intensamente nestas realidades paralelas.
Por estes motivos e tantos outros a apresentação na Fnac com a sua inerente projecção tanto a nível local como nacional acaba por ser sempre um sucesso. Gosto de pensar que se hoje consigo reunir somente uma vintena de pessoas dispostas a escutar-me. Amanhã terei certamente que pedir licença aos paparazzipara me deixarem passar para que possa cumprimentar a minha legião de leitores. Acredito!
Nesse mesmo dia voltei para a Ilha onde jantei com o meu primo Pepe a sua mulher Sandra, bem na realidade jantei com toda a família, em casa. Falámos dos meus livros, do que pretendo fazer a seguir , das novas portas que se começam a abrir lentamente. Tenho na minha prima uma fiel leitora e crítica e consegui arranjar nesse jantar mais três fervorosas leitoras. Foi um excelente dia.
Não me vou alongar mais, antes que me gritem desse lado “Ah moça maldeçoade, tira-te já daqui pra qu’é na te veja na minha frente!” posso somente dizer-vos que o ponto alto da minha manhã seguinte foi tomar o pequeno-almoço (ou como se diz aqui em baixo o “quebra-jejum”) na pastelaria Gardy, desde sempre local de eleição do meu pai e ainda consegui arranjar uns minutinhos para me despedir da sereia da doca (que me confessou nesse dia ser prima da sereia de Copenhaga e da sereia de Varsóvia).
Fiz a minha apresentação na Guia onde mais uma vez fui surpreendida pela positiva. Ganhei uma leitora muito interessada pelo que me ouvira dizer. Parece que acabara de entrar na loja quando me ouviu falar e seguiu a minha voz (sempre me achei parecida com o flautista de Hamelin, mas em versão moce). Estivemos o tempo necessário à conversa depois da dita apresentação. Adora literatura fantástica mas não gosta de vampiros, lobisomens e afins o que mais adora nos livros do fantástico é a descrição vivida de locais reais misturadas no contexto da estória. E como isso é tudo o que se pode encontrar nos meus livros posso garantir que foi um dia particularmente bom para os MacCumhaill.
É sempre agradável quando nos levantam questões que nos tocam particularmente e termos a possibilidade de continuar a conversar mais informalmente posteriormente, algumas dessas questões são realmente muito estimulantes deixo-vos aqui alguns exemplos: de onde me vem a imaginação para escrever sobre estes assuntos, como consigo conciliar duas sagas, se escrevo outros géneros, quais? Foi "fantástico" ver tantas pessoas interessadas sabendo que lá fora estavam pelo menos 35ºC e que a praia estava deliciosamente convidativa.
Respondi com imenso prazer a tudo o que me foi perguntado. Como tenho dito tantas vezes, tudo me chama a atenção e me faz sonhar, o facto de gostar de viajar de transportes públicos dá-me muito material de escrita, inúmeras ideias, por exemplo, o facto de na minha carruagem não existir o lugar número 13, um jovem casal apaixonado à beira mar com a particularidade dele ter uns óculos espelhados vermelhos e ela uns iguais mas verdes (mal comparado futebolisticamente uma relação promissora entre os grandes de Lisboa), dois idosos a passearem na gare de Ferreiras com as suas suas velhas bengalas com a singularidade de terem a borracha do fundo das mesmas mais gasta do que a própria sola dos sapatos, os autocarros de giro do Algarve terem escrito “otokar”, a maneira despreocupada como as pessoas se vestem ignorando a idade, corpos estendidos na areia tentando ganhar ainda um pouco mais de cor apesar de alguns já se encontrarem cinzentos, os baloiços a mexerem-se sozinhos sem se sentir nenhuma aragem, os viveiros com alguns vultos mergulhando no seu lodo, os diversos pássaros que voam para local incerto no imenso e protegido estuário da bela ria Formosa, as desertas pejadas de gaivotas (tenho quase a certeza que Hitchcock se inspirou nelas) até mesmo os “camones” semi-nús sempre de cerveja nas mãos . Na realidade sou influenciada por tudo o que me rodeia por todos com quem me cruzo, venham da cidade, da praia ou até mesmo do monte serão certamente um dia alvo da minha especial atenção. Pelo que fica aqui ainda tanto por dizer.
Não quero regressar!
Parto sempre com a nostalgia dos momentos que ficaram por viver, contudo desta vez chego a Lisboa com a enorme sensação de realização, de um trabalho bem feito. Além de que ter sido desafiada no inicio da minha jornada pela minha amiga, jornalista e bloger Isabel Alexandra Almeida e principalmente por gostar de desafios deixo-vos aqui este parco resumo da minha viagem. Chamemos-lhe Crónicas do Fantástico.
E como se diz aqui em baixo ”Amódes q’iste é assim, é acardito, tenhe aportelência, arreata, na stou a baldear, tou-m’a barimbar, na tenhe caguifa, n’inveja, na gosto de mogas, de patochadas, na falejo, odeio bichaninhas, na consigo patiar. Prontes, adés tipe, táza ver? Cagande e andande”."
Foi uma viagem como sempre muito agradável, ar condicionado, serviço a bordo tudo o que necessitava antes de enfrentar o calor seco a sul.
“Próxima paragem Faro”
Acordava com a voz calorosa a dar-me as boas-vindas a uma cidade que conheço tão bem. Contudo, quando o comboio parou e a porta se abriu fui recebida por um bafo que instantaneamente me fez lembrar Dante e o seu “vestíbulo do inferno”, também eu me encontrava como aquelas pobres almas, indecisa, porém ficar dentro da carruagem com o ar condicionado naquele momento deixara de ser uma opção.
“Atão moce, na t’espachas?”
A voz impaciente do senhor atrás de mim que queria ir à sua vida vez com que me virasse para o encarar. Será que não conseguia perceber o meu dilema naquele momento?
“Está muito calor, estou a tentar ganhar coragem” – sorri-lhe
“Meceia tén calor? Iste né nada miga”
“Óme, pra quê tamanh’ademora”
Lá fora esperava-o uma mulher a olhar-nos curiosa, afastei-me para que o senhor passasse sempre ganhava uns preciosos segundos.
O senhor ainda se virou para se despedir de mim.
“Adés moce, pr’ond’é que vás?”
“Vou para a ilha”
“A caminéte é já além” – apontou na direção da minha já tão conhecida paragem da Eva, onde deixei e fui buscar muitos amigos que durante anos passaram férias comigo na casa da ilha.
A maneira como aquele homem falara relembrou-me do diversificado léxico algarvio.
“Obrigada!”- sorri e ganhei a coragem que me faltava para sair daquele pedaço de paraíso onde viajara nas últimas horas. Sentia o sol queimar-me.
Caminhei até à doca sempre pelas sombras onde tantas vezes atracámos os nossos barcos todos eles com nomes inesquecíveis, tais como “Hupylas”, “Kesselyxe” e o último e mais potente “Kesselyxethudo”. Tinha muitas boas lembranças de toda a minha infância e adolescência e continuava a criar novas memórias sempre que o tempo me permitia usufruir da casa da ilha.
Por respeito para quem tem seguido a minha recente carreira literária resolvi mostrar um pouco desta minha viagem para promoção dos meus livros, desta feita num período de pouco mais de vinte e quatro horas que me levaria até Faro e posteriormente à Guia. Tirara a primeira selfie no comboio enquanto usufruía de um chá de camomila e lia a última crónica de António Lobo Antunes na revista Visão, também ela num regresso às suas origens, com lembranças da sua infância onde entre tantas memórias me ficou a de que costumava dividir o quarto com o seu irmão João.
A minha segunda foto já mostrava um pouco mais de mim e de como me começava a sentir debaixo daquele calor abrasador, não corria uma única aragem. Mostrava-me através das redes sociais em todo o meu esplendor, despenteada, sequiosa, encalorada e esfomeada ou como se diz cá e baixo: “o mé cabele tava cá d’um jête, sentia-me descabide com us olhes desbugalhades, estava cum muta fome tava na hora da bucha já só queria quemer, e naquele momente até podiam ser alcagoitas, minduins, pitaxios, sarvejas geladinhas ou até mesme auga. Sentia-me marafade”. Infelizmente não podemos ser todas a Sara Sampaio (para grande infelicidade minha).
Mas o que me levava ali eras as apresentações dos meus MAIS sempre num misto de emoções, de perguntas. Ansiedade? Já nem tanto. Mas algumas questões ainda se colocavam, iriam aparecer pessoas com disposição para me ouvir? Teria a felicidade de conseguir falar do meu trabalho e arranjar mais fieis leitores/as? Sim, porque a realidade com que me deparo neste último ano é que somente através do permanente contacto com as pessoas é possível ir mais além e cá por mim adoro trocar ideias, de falar sobre estes mundos fantásticos que tanto me fascinam, de fazer a minha parte, trazer cada vez mais pessoas para este mundo que não é só meu mas de todos os que vivem intensamente nestas realidades paralelas.
Por estes motivos e tantos outros a apresentação na Fnac com a sua inerente projecção tanto a nível local como nacional acaba por ser sempre um sucesso. Gosto de pensar que se hoje consigo reunir somente uma vintena de pessoas dispostas a escutar-me. Amanhã terei certamente que pedir licença aos paparazzipara me deixarem passar para que possa cumprimentar a minha legião de leitores. Acredito!
Nesse mesmo dia voltei para a Ilha onde jantei com o meu primo Pepe a sua mulher Sandra, bem na realidade jantei com toda a família, em casa. Falámos dos meus livros, do que pretendo fazer a seguir , das novas portas que se começam a abrir lentamente. Tenho na minha prima uma fiel leitora e crítica e consegui arranjar nesse jantar mais três fervorosas leitoras. Foi um excelente dia.
Não me vou alongar mais, antes que me gritem desse lado “Ah moça maldeçoade, tira-te já daqui pra qu’é na te veja na minha frente!” posso somente dizer-vos que o ponto alto da minha manhã seguinte foi tomar o pequeno-almoço (ou como se diz aqui em baixo o “quebra-jejum”) na pastelaria Gardy, desde sempre local de eleição do meu pai e ainda consegui arranjar uns minutinhos para me despedir da sereia da doca (que me confessou nesse dia ser prima da sereia de Copenhaga e da sereia de Varsóvia).
Fiz a minha apresentação na Guia onde mais uma vez fui surpreendida pela positiva. Ganhei uma leitora muito interessada pelo que me ouvira dizer. Parece que acabara de entrar na loja quando me ouviu falar e seguiu a minha voz (sempre me achei parecida com o flautista de Hamelin, mas em versão moce). Estivemos o tempo necessário à conversa depois da dita apresentação. Adora literatura fantástica mas não gosta de vampiros, lobisomens e afins o que mais adora nos livros do fantástico é a descrição vivida de locais reais misturadas no contexto da estória. E como isso é tudo o que se pode encontrar nos meus livros posso garantir que foi um dia particularmente bom para os MacCumhaill.
É sempre agradável quando nos levantam questões que nos tocam particularmente e termos a possibilidade de continuar a conversar mais informalmente posteriormente, algumas dessas questões são realmente muito estimulantes deixo-vos aqui alguns exemplos: de onde me vem a imaginação para escrever sobre estes assuntos, como consigo conciliar duas sagas, se escrevo outros géneros, quais? Foi "fantástico" ver tantas pessoas interessadas sabendo que lá fora estavam pelo menos 35ºC e que a praia estava deliciosamente convidativa.
Respondi com imenso prazer a tudo o que me foi perguntado. Como tenho dito tantas vezes, tudo me chama a atenção e me faz sonhar, o facto de gostar de viajar de transportes públicos dá-me muito material de escrita, inúmeras ideias, por exemplo, o facto de na minha carruagem não existir o lugar número 13, um jovem casal apaixonado à beira mar com a particularidade dele ter uns óculos espelhados vermelhos e ela uns iguais mas verdes (mal comparado futebolisticamente uma relação promissora entre os grandes de Lisboa), dois idosos a passearem na gare de Ferreiras com as suas suas velhas bengalas com a singularidade de terem a borracha do fundo das mesmas mais gasta do que a própria sola dos sapatos, os autocarros de giro do Algarve terem escrito “otokar”, a maneira despreocupada como as pessoas se vestem ignorando a idade, corpos estendidos na areia tentando ganhar ainda um pouco mais de cor apesar de alguns já se encontrarem cinzentos, os baloiços a mexerem-se sozinhos sem se sentir nenhuma aragem, os viveiros com alguns vultos mergulhando no seu lodo, os diversos pássaros que voam para local incerto no imenso e protegido estuário da bela ria Formosa, as desertas pejadas de gaivotas (tenho quase a certeza que Hitchcock se inspirou nelas) até mesmo os “camones” semi-nús sempre de cerveja nas mãos . Na realidade sou influenciada por tudo o que me rodeia por todos com quem me cruzo, venham da cidade, da praia ou até mesmo do monte serão certamente um dia alvo da minha especial atenção. Pelo que fica aqui ainda tanto por dizer.
Não quero regressar!
Parto sempre com a nostalgia dos momentos que ficaram por viver, contudo desta vez chego a Lisboa com a enorme sensação de realização, de um trabalho bem feito. Além de que ter sido desafiada no inicio da minha jornada pela minha amiga, jornalista e bloger Isabel Alexandra Almeida e principalmente por gostar de desafios deixo-vos aqui este parco resumo da minha viagem. Chamemos-lhe Crónicas do Fantástico.
E como se diz aqui em baixo ”Amódes q’iste é assim, é acardito, tenhe aportelência, arreata, na stou a baldear, tou-m’a barimbar, na tenhe caguifa, n’inveja, na gosto de mogas, de patochadas, na falejo, odeio bichaninhas, na consigo patiar. Prontes, adés tipe, táza ver? Cagande e andande”."
MBARRETO CONDADO
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