15 sintomas dos livros e da qualidade das suas histórias


Por Juan Pablo Villalobo

1. A capa de um livro é como a porta de uma casa: se o hall (as primeiras páginas) está sujo ou feio, o leitor já sabe o que pode encontrar na cozinha ou nos quartos. E nos banheiros!!!
2. Se o narrador começa o romance com indecisões, “eu não gostaria de falar disso” ou “nem quero lembrar do que aconteceu aquele dia” ou “ainda não sei como contar essa história “, não se preocupe, vai ter romance, sim, se não como é que o livro tem 200 páginas? Agora, se prepare: o cara com certeza vai enrolar. Muito.

3. Quando o narrador descreve um dos seus personagens como genial, inteligentíssimo, simpático etc., por acaso o autor não está sugerindo que ele é tão genial, inteligentíssimo, simpático etc. que consegue criar personagens geniais, inteligentíssimos, simpáticos etc.?

4. Se os diálogos de um livro estão tão bem escritos, desde o ponto de vista do realismo, que são igualzinhos à realidade, para que ler o romance? Você lê para constatar a realidade? Melhor bater um bom papo com uma pessoa querida.

5. Seria muito interessante pesquisar por que o hábito de leitura de ficção não ficou associado à pipoca. Já pensou? “- Vamos ler. – Peraí, vou preparar pipoca.”

6. Todo leitor deveria reler seus romances favoritos uma vez a cada 10 anos. Impressionante como os personagens mudam apesar de você ter certeza que eles ficaram quietinhos aí na prateleira.

7. Regra de reciprocidade: se o narrador do romance interpela o leitor (“o que você acha, caro leitor?”, “tem alguém aí, do outro lado da página?” etc.), o leitor tem direito a procurar o autor no Twitter ou no Facebook e encher o saco dele. Não se aplica para autores mortos. A menos que o leitor seja espírita.

8. Há escritores querendo escrever romances sem enredo, romances sem tensão narrativa, romances sem personagens, romances sem lógica temporal… Mas, para falar a verdade, o que mais tem é romances sem leitores.

9. Se a capa do livro é linda, o texto da quarta muito interessante, o autor na foto saiu galã e tem frases elogiosas de escritores e críticos reconhecidos, isso só quer dizer uma coisa: a editora fez um trabalho excelente.

10. Como faz o autor para contar a história em presente enquanto você está lendo? Quando entregou o livro para a editora? Quando a editora o imprimiu?

11. Psicanálise de graça: pense um pouco nos narradores de seus romances favoritos. O narrador quer… seduzir você? Desafiar? Tirar sarro de você? Empatizar?

12. Sobre a arte da descrição: se o leitor pretende ler um livro para saber como é Paris (ou Roma, Buenos Aires, o sertão, o pantanal etc.), tem uma coisa bem melhor: agências de viagens.

13. Quando o leitor fala que não entendeu um romance, na verdade o que ele não entendeu é a função da literatura: a literatura é péssima para dar explicações.

14. Livros chatos mas com prestígio literário criam nos leitores síndrome de Estocolmo.

15. Boas notícias: ninguém morreu por ler um romance ruim. Más notícias: ninguém recuperou o tempo perdido lendo um romance ruim.

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Juan Pablo Villalobos nasceu em Guadalajara, México, e morou alguns anos no Brasil. É autor de Festa no covil e Se vivêssemos em um lugar normal, publicados pela Companhia das Letras e traduzidos em quinze países.

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