Escola da Ponte

Depois de ter revolucionado os moldes tradicionais de ensino na Escola da Ponte, o professor português  José Pacheco, residente no Brasil, considera que é preciso mudar a mentalidade dos professores para inovar na Educação.



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Localizada a cerca de 30 Km do Porto a Escola da Ponte é hoje a única que se distingue em Portugal graças ao seu modelo de ensino ímpar. À semelhança do que vai acontecendo em alguns países do norte da Europa, como Finlândia e Dinamarca, na Escola da Ponte portuguesa não existem turmas, exames  ou programas de ensino pré-definidos. Os alunos e professores são completamente autónomos e entre o que é ensinado e aprendido está apenas um aluno motivado.

Por ocasião do lançamento do seu mais recente livro " A Avaliação da Aprendizagem na Escola da Ponte", que tem a chancela das Edições Mahatma, a Bee Dynamic Books aproveitou para entrevistar o Professor José Pacheco.

Durante o mês de Março, o professor e co-autor da obra, estará mais uma vez em Portugal, desta vez para levar a cabo várias palestras inseridas também nas sessões de apresentação da obra.



Verifique a agenda de José Pacheco no final da entrevista e fique a saber qual  a cidade mais próxima de si  onde  poderá assistir a uma apresentação.


Entrevista

José Pacheco, educador português



Bee Dynamic Books- A Escola da Ponte é um projecto que visa sobretudo uma maior autonomia tanto para os alunos quanto para os professores. Para além desta, quais são as principais diferenças que podemos encontrar entre o modelo de ensino que defende e aquele que todos conhecemos?

Prof. José Pacheco- Venho repetindo que a profissão de professor não é um ato solitário, que o professor deve fazer da sua profissão um ato solidário. Professor sozinho em sala de aula é um dos absurdos do velho modelo de escola. Sozinho, ele não é autônomo. Sozinho, o professor é auto-suficiente. E, porque um professor não ensina aquilo que diz; mas transmite aquilo que é, um professor sozinho na sala de aula transmite individualismo... Por isso, uma das grandes diferenças consiste no fato de a |Ponte desenvolver autonomia, em conformidade com os valores constante da matriz axiológica do deu projeto educativo.
É necessário passar de uma cultura de solidão para uma cultura de equipe, de corresponsabilização. Sozinhos, os professores nunca conseguirão ensinar tudo a todos. O professor assume dignidade profissional, sendo autónomo-com-os-outros.
O trabalho em equipe pressupõe um permanente convívio, estabilidade e lealdade a valores e princípios de um projeto. Isso não acontece, por exemplo, no contexto de escolas onde existe um horário padrão. Porquê 50 (ou duas vezes 45) minutos de aula, se a aprendizagem acontece 24 horas por dia? Porquê 200 dias letivos, se nos educamos nos 365 (ou 366) dias de cada ano?
Eis outra diferença: uma gestão diversificada de tempos numa multiplicidade de espaços.
Muitas outras poderia referir, mas quedar-me-ei por uma, que talvez seja o “nó górdio” da crise que a Escola atravessa. Quando o professor reelaborar sua cultura pessoal e profissional, o resto mudará. Talvez, então, a escola possa se reorganizar operando uma definitiva ruptura com o velho paradigma da escola, quando forem eliminando erros do modelo atual de formação. Não duvido de que as universidades disponham de excelentes professores. As universidades dispõem de excelentes formadores, que praticam uma formação reprodutora de um modelo escolar, que deu resposta a necessidades sociais do século XIX, mas que não faz sentido manter no século XXI. A formação de professores continua imersa em equívocos. Ainda há quem creia que a teoria pode preceder a prática e encha a cabeça do formando de tralha cognitiva, ingenuamente acreditando que ele irá “aplicá-la” na sala de aula. Ainda há formadores que adestram formandos na planificação de aulas, quando deveriam prescindir dessa inútil herança de práticas sociais do século XIX. Ainda há quem considere o formando como objeto de formação, quando deveria ser tomado como sujeito em transformação, no contexto de uma equipe.

BDB- Na obra que a Editora Mahatma leva a público – Avaliação da Aprendizagem na Escola da Ponte- encontramos uma avaliação positiva a este sistema de ensino?

JP-Creio que sim. Mas deverão ser os leitores a dizê-lo...

BDB- Quais são as principais mais-valias?

JP-Os efeitos do projeto, que relatórios de comissões de avaliação independentes atestam são bem melhores do que os obtidos pelas escolas ditas “normais”. Esses resultados constam de relatórios de avaliação externa, elaborados por equipes nomeadas pelo Ministério da Educação de Portugal. São produto de uma avaliação isenta, e atestam a elevada qualidade das aprendizagens realizadas pelos alunos.
Diz-nos o último dos relatórios de avaliação que, quando transitam para outras escolas, os alunos da Ponte alcançam melhores notas do que os alunos de outras escolas conseguem alcançar. E, se no domínio cognitivo isso acontece, muito mais significativos são os níveis de desenvolvimento sócio moral.
É grande a preocupação com a vertente ética. Sabemos que o desenvolvimento ético acompanha o desenvolvimento cognitivo, sendo mutuamente influenciados. Não fragmentamos os saberes: estudos realizados com adultos formados ao longo dos últimos 40 anos demonstram que todos os nossos ex-alunos são pessoas socialmente integradas e realizadas. Talvez possa acrescentar que a Escola da Ponte provou que é possível outra educação, aliando excelência acadêmica à inclusão social. 

4)- O Ministério da Educação em Portugal, os pais, os alunos, como é que olham para a Escola da Ponte e seu modelo?
Os pais olham-na com senso crítico e elevadas expectativas. Aliás, fazem-no sendo maioria no órgão de Direção da escola... A Ponte não tem diretor.
Os jovens vêem-na, não como alunos (os “não iluminados”), mas como sujeitos aprendentes, no exercício de uma liberdade com responsabilidade, que lhes propicia uma aprendizagem da cidadania no exercício da cidadania.
Quanto ao ministério...
A Escola da Ponte é, infelizmente, a única escola com um contrato de autonomia, que ainda contém uma réstea de autonomia... No quadro dessa autonomia mitigada, a Ponte escolhe os seus professores (por concurso universal e com regras!) Os professores não deverão fazer concurso para ter um emprego, para trabalhar na escola mais próxima da sua residência, nem trabalhar em duas ou três escolas, para assegurar um melhor salário. O professor deverá aderir a um projeto, em dedicação exclusiva. Eis mais uma difeença. 
Talvez devamos apelar ao bom senso dos titulares do poder público, pedir-lhe que esteja atento a excelentes práticas que muitos educadores vêm produzindo. Intuo que as escolas carecem de espaços de convivência reflexiva. Que precisamos compreender que pessoas são aquelas com quem partilhamos os dias, quais são as suas necessidades (educativas e outras), cuidar da pessoa do professor, para que se veja na dignidade de pessoa humana e veja outros educadores como pessoas. E compete ao Ministério da Educação criar condições para que tal aconteça.

BDB- Uma das alterações que defende ao sistema de ensino é o fim dos exames. Sem exames, como é que se avaliam as competências e conhecimentos adquiridos?

JP- O atual Governo talvez esteja a resistir à tentação da examocracia (à praga dos exames nacionais). Acabamos de sair de um período de governação durante o qual se insistiu na ideia de que realizar mais exames contribui para a melhoria das, o que constitui uma medida de política educativa equivocada. Porque não é a preocupação com o termómetro que faz baixar a temperatura...
Quando escutava os anteriores responsáveis pelo Ministério da Educação falar da Finlândia como referência de boa qualidade da educação, eu perguntava se falavam da mesma Finlândia que eu conhecia. Porque os via introduzindo mais provas, quando a Finlândia já havia prescindindo de realizar exames.
Um exame pouco, ou mesmo nada prova. É um dos mais falíveis instrumentos de avalição. Talvez por isso, a Finlândia os tivesse abolido... E, se os anteriores responsáveis ministeriais insistiram em os multiplicar, isso só pode ser reflexo de ingenuidade pedagógica.
E ainda há professaurios que crêem na bondade dos rankings! Nos primeiros lugares, são incensadas escolas particulares, que obtêm “bons resultados” à custa de uma pré-seleção de alunos e da prática de um subtil darwinismo social. Os que são submetidos ao decorar matéria sem sentido (sem atender a um dos princípios básicos da aprendizagem: o da significação), para verter em testes e, depois... esquecer. Um teste quase nada prova. É um exercício inútil e até mesmo prejudicial.
Quando um professor fica na sala, a vigiar jovens, ele presume que esses jovens são potencialmente desonestos, se puderem copiar, vão copiar... O professor-polícia não fala, mas o não-verbal fala mais alto. O vigilante está a transmitir valores em que acredita, está a desenvolver aquilo que as ciências da educação designam por currículo oculto. O professor que aceita a indigna situação de fiscal está a transmitir deslealdade, falsidade, mentira...
As competências e os conhecimentos poderão ser avaliados, se nas escolas se concretizar uma efetiva avaliação formativa, contínua e sistemática. Os registos de avaliação e as evidências de aprendizagem constantes de portefólio de avaliação poderão dizer-nos o que, efetivamente, as crianças aprenderam, quer no domínio intelectual, quer no domínio atitudinal, porque o ser humano não é apenas cognição, é multidimensional. Os jovens também são afeto, ética, estética...

BDB-Com um modelo de ensino tão diferente, como é que se cumprem programas, currículos e alcançam metas de aprendizagem?

JP-É com “um modelo de ensino tão diferente” que se cumprem programas, currículos e alcançam metas de aprendizagem. No contexto do velho e obsoleto modelo de ensino, de que a maioria das escolas enferma, nunca será possível cumprir programas, currículos, ou alcançar metas de aprendizagem. Muito menos propiciar uma educação efetivamente integral.
As escolas transformar-se-ão quando, através da referência a uma matriz axiológica, a uma visão de mundo e sociedade traduzidas num projeto, operem rupturas com uma tradição de educação hierárquica e burocrática. Quando ousarem, com prudência (crianças, não cobaias de laboratório...) reconfigurar as suas práticas, assumir formas específicas de organização do trabalho escolar, em dispositivos de relação, nas atitudes do dia-a-dia, que viabilizem práticas de educação integral. Quando as escolas cumprirem, efetivamente, os seus projetos educativos. Algo que não acontece na maioria das escolas. Sei que esta afirmação poderá irritar alguns cultores do velho modelo. Por isso, me disponibilizo para um debate construtivo, fraterno.

BDB- O que é que, na sua opinião, podemos esperar do futuro da Educação em Portugal?

JP -Fiz parte do Conselho Nacional de Educação e fui relator do Parecer sobre a proposta de lei da Reorganização Curricular. Já nessa altura, há cerca de duas décadas, manifestei a minha surpresa e desagrado por ver manterem-se iniciativas de política educativa, que não questionavam arcaísmos pedagógicos. Na época, era o estudo acompanhado, a área de projeto, a educação cívica, que eram propostos como paliativos do velho e obsoleto modelo de ensinagem. Como se o civismo fosse ensinado em uma ou duas horas por semana e não devesse estar presente em todos os momentos de aprender a ser e a conviver. Como se projeto fosse algo para trabalhar em uma ou duas aulas semanais...
Nos últimos anos, apesar da profusão de tentativas de reforma, programas, projetos, congressos, cursos e afins, não se logrou melhorar a qualidade da educação nacional. Esse desiderato será alcançado quando as escolas deixarem de estar cativas de um modelo educacional obsoleto e de uma gestão burocratizada, na qual os critérios de natureza administrativa se sobrepõem a critérios de natureza pedagógica. E subsiste uma criminosa conivência do poder público e, em particular, do Ministério da Educação em relação a essa nefasta situação.
Temo que essa situação de impunidade se mantenha. Temo o obsceno silêncio dos pedagogos, porque, ainda há pouco tempo, vi e escutei alguns, numa reunião com a Comissão de Educação da Assembleia da República, bizantinamente debatendo o número de alunos por turma e sala de aula, no pressuposto de que deve haver turmas, aula e sala de aula. Esse debate seria ridículo, se não fosse trágico...

BDB)- O livro que acaba de publicar tem entre os docentes o seu público alvo ou também pais e alunos são um alvo apetecido?

JP- Publiquei, em vários países, mais de trinta livros. Desses, apenas um está publicado em Portugal... O formato e conteúdo desse e de outros livros respondem à necessidade de aliar à fundamentação científica e pedagógica um discurso acessível ao leitor comum. Correspondem a uma latente solicitação de uma sociedade, que tomou consciência da falência do modelo de ensino a que os seus jovens ainda são sujeitos, que se apercebeu de que podemos realizar aprendizagens em múltiplos espaços sociais (e que, dentro do edifício da escola, quase nada se aprende...) e que já se anuncia a possibilidade de conceber novas construções sociais de aprendizagem.
No edifício da escola, nas praças, nas empresas, nas igrejas, nas bibliotecas públicas, e centros culturais, passamos a contemplar um novo modo de desenvolvimento curricular, duas vias complementares de um mesmo projeto: um currículo subjetivo, e um projeto de vida pessoal, a partir de talentos cedo revelados; um currículo de comunidade, baseado em necessidades, desejos da sociedade do entorno. 
Quando fui aluno de escola "tradicional", gastei um tempo precioso a decorar os afluentes da margem esquerda de rios e de outras lengalengas que, agora, me ocupam a memória de longo prazo. Não me fizeram mais sábio, nem mais feliz. São muitos e diversos os caminhos de mudança, sendo urgente que os educadores compreendam o que significa o termo “currículo”. Que, por exemplo, os professores não percam tempo a tentar ensinar fora de tempo o que é um "dígrafo", ou expressões como "sujeito nulo subentendido", o que são "plantas epífitas", ou em que consiste um "ato ilocutório diretivo".
É preciso experimentar um novo modo de organização, em equipes de pessoas autónomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente “pública”. Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida. E uma escuta que, para além do seu significado metodológico, terá de ser humanamente significativa e de assentar numa deontologia de troca “ganha-ganha”.
Que se perceba que toda a prática tem teoria subjacente, que não há prática sem teoria. E que a fundamentação teórica do ato de educar seja multirreferencial, numa práxis coerente com necessidades educativas locais, escapando a modas e fundamentalismos pedagógicos. Que a aprendizagem não está centrada no professor, nem no aluno, mas na relação. E que da qualidade da relação depende uma boa qualidade educacional.
As escolas poderão desenvolver um currículo mais adequado às novas competências e exigências do século XXI. A velha escola há de parir uma nova educação. Mas as dores do parto serão intensas, enquanto as “naturalizações”, as “certezas”, as crenças ministeriais, a tecnocracia e a burocracia continuarem a prevalecer em domínios onde deveria prevalecer a pedagogia.





Comentários

  1. Respostas
    1. Olá Daniela. O Livro estará entretanto nas livrarias, mas poderá adquiri-lo através das Edições Mahatma. Obrigada!
      https://www.facebook.com/MahatmaEditora/

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  2. Realmente não se entende como é que noutros países edita trinta livros e em Portugal apenas um. Tal como eu haverá muitas pessoas interessadas em conhecer mais sobre a organização e funcionamento da vossa escola.

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